VINHO: FERMENTADO OU NÃO FERMENTADO? Segue-se um
exame da palavra bíblica mais comumente usada para vinho. A palavra grega para
“vinho”, em Lc 7.33, é oinos. Oinos pode referir-se a dois tipos bem diferentes
de suco de uva: (1) suco não fermentado, e (2) vinho fermentado ou embriagante.
Esta definição apóia-se nos dados abaixo.
(1) A palavra grega oinos era usada pelos autores
seculares e religiosos, antes da era cristã e nos tempos da igreja primitiva, em
referência ao suco fresco da uva (ver Aristóteles, Metereologica, 387.b.9-13).
(a) Anacreontes (c. de 500 a .C.)
escreve: “Esprema a uva, deixe sair o vinho [oinos]” (Ode 5). (b) Nicandro (século
II a.C.) escreve a respeito de espremer uvas e chama de oinos o suco daí
produzido (Georgica, fragmento 86). (c) Papias (60-130 d.C.), um dos pais da
igreja primitiva, menciona que quando as uvas são espremidas produzem “jarros
de vinho [oinos]” (citado por Ireneu, Contra as Heresias, 5.33.3–4). (d) Uma
carta em grego escrita em papiro (P. Oxy. 729; 137 d.C.), fala de “vinho [oinos]
fresco, do tanque de espremer” (ver Moulton e Milligan, The Vocabulary of the
Greek Testament, p. 10). (e) Ateneu (200 d.C.) fala de um “vinho [oinos] doce”,
que “não deixa pesada a cabeça” (Ateneu, Banquete, 1.54). Noutro lugar, escreve
a respeito de um homem que colhia uvas “acima e abaixo, pegando vinho [oinos] no
campo” (1.54). Para considerações mais pormenorizadas sobre o uso de oinos
pelos escritores antigos, ver Robert P. Teachout: “O Emprego da Palavra ‘Vinho’
no Antigo Testamento”. (Dissertação de Th.D. no Seminário Teológico de Dallas, 1979).
(2) Os eruditos judeus que traduziram o AT do
hebraico para o grego c. de 200
a .C. empregaram a palavra oinos para traduzir várias
palavras hebraicas que significam vinho (ver o estudo VINHO NOS TEMPOS DO
ANTIGO TESTAMENTO). Noutras palavras, os escritores do NT entendiam que oinos
pode referir-se ao suco de uva, com ou sem fermentação.
(3) Quanto a literatura grega secular e religiosa, um
exame de trechos do NT também revela que oinos pode significar vinho fermentado,
ou não fermentado.
Em Ef 5.18, o mandamento: “não vos embriagueis com vinho [oinos]”
refere-se ao vinho alcoólico. Por outro lado, em Ap
19.15 Cris to é descrito pisando o lagar.
O texto grego diz: “Ele pisa o lagar do vinho [oinos]”; o oinos que sai do
lagar é suco de uva (ver Is 16.10 nota; Jr 48.32,33 nota). Em Ap 6.6, oinos refere-se às uvas da videira como uma
safra que não deve ser destruída. Logo, para os crentes dos tempos do NT, “vinho”
(oinos) era uma palavra genérica que podia ser usada para duas bebidas
distintivamente diferentes, extraídas da uva: o vinho fermentado e o não fermentado.
(4) Finalmente, os escritores romanos antigos
explicam com detalhes vários processos usados para tratar o suco de uva recém-espremido,
especialmente as maneiras de evitar sua fermentação. (a) Columela (Da
Agricultura, 12.29), sabendo que o suco de uva não fermenta quando mantido frio
(abaixo de 10 graus C.) e livre de oxigênio, escreve da seguinte maneira: “Para
que o suco de uva sempre permaneça tão doce como quando produzido, siga estas instruções:
Depois de aplicar a prensa às uvas, separe o mosto mais novo [i.e., suco fresco],
coloque-o num vasilhame (amphora) novo, tampe-o bem e revista-o muito
cuidadosamente com piche para não deixar a mínima gota de água entrar; em
seguida, mergulhe-o numa cisterna ou tanque de água fria, e não deixe nenhuma
parte da ânfora ficar acima da superfície. Tire a ânfora depois de quarenta
dias. O suco permanecerá doce durante um ano” (ver também Columela: Agricultura
e Árvores; Catão: Da Agricultura). O escritor romano Plínio (século I d.C.) escreve:
“Tão logo tiram o mosto [suco de uva] do lagar, colocam-no em tonéis, deixam
estes submersos na água até passar a primeira metade do inverno, quando o tempo
frio se instala” (Plínio, História Natural, 14.11.83). Este método deve ter
funcionado bem na terra de Israel (ver Dt 8.7; 11.11,12; Sl 65.9-13). (b) Outro
método de impedir a fermentação das uvas é fervê-las e fazer um xarope (para
mais detalhes, ver o estudo O VINHO NOS TEMPOS DO NOVO TESTAMENTO (2)). Historiadores
antigos chamavam esse produto de “vinho” (oinos). O Cônego Farrar (Smith’s
Bible Dictionary, p. 747) declara que “os vinhos assemelhavam-se mais a xarope;
muitos deles não eram embriagantes”. Ainda, O Novo Dicionário da Bíblia , observa
que “sempre havia meios de conservar doce o vinho durante o ano inteiro”.
O USO DO VINHO NA CEIA DO SENHOR. Jesus usou uma
bebida fermentada ou não fermentada de uvas, ao instituir a Ceia do Senhor (Mt 26.26-29;
Mc 14.22-25; Lc 22.17-20; 1Co 11.23-26)? Os dados abaixo levam à conclusão de
que Jesus e seus discípulos beberam no dito ato suco de uva não fermentado.
(1) Nem Lucas nem qualquer outro escritor bíblico
emprega a palavra “vinho” (gr. oinos) no tocante à Ceia do Senhor. Os
escritores dos três primeiros Evangelhos empregam a expressão “fruto da vide” (Mt
26.29; Mc 14.25; Lc 22.18). O vinho não fermentado é o único “fruto da vide”
verdadeiramente natural, contendo aproximadamente 20% de açúcar e nenhum álcool.
A fermentação destrói boa parte do açúcar e altera aquilo que a videira produz.
O vinho fermentado não é produzido pela videira.
(2) Jesus instituiu a Ceia do Senhor quando Ele e
seus discípulos estavam celebrando a Páscoa. A lei da Páscoa em Êx 12.14-20
proibia, durante a semana daquele evento, a presença de seor (Êx 12.15), palavra
hebraica para fermento ou qualquer agente fermentador. Seor, no mundo antigo, era
freqüentemente obtido da espuma espessa da superfície do vinho quando em fermentação. Além
disso, todo o hametz (i.e., qualquer coisa fermentada) era proibido (Êx 12.19; 13.7).
Deus dera essas leis porque a fermentação simbolizava a corrupção e o pecado (cf.
Mt 16.6,12; 1Co 5.7,8). Jesus, o Filho de Deus, cumpriu a lei em todas as suas
exigências (Mt 5.17). Logo, teria cumprido a lei de Deus para a Páscoa, e não
teria usado vinho fermentado.
(3) Um intenso debate perpassa os séculos entre os
rabinos e estudiosos judaicos sobre a proibição ou não dos derivados
fermentados da videira durante a Páscoa. Aqueles que sustentam uma
interpretação mais rigorosa e literal das Escrituras hebraicas, especialmente
Êx 13.7, declaram que nenhum vinho fermentado devia ser usado nessa ocasião.
(4) Certos documentos judaicos afirmam que o uso do
vinho não fermentado na Páscoa era comum nos tempos do NT. Por exemplo: “Segundo
os Evangelhos Sinóticos, parece que no entardecer da quinta-feira da última
semana de vida aqui, Jesus entrou com seus discípulos em Jerusalém, para com eles
comer a Páscoa na cidade santa; neste caso, o pão e o vinho do culto de Santa
Ceia instituído naquela ocasião por Ele, como memorial, seria o pão asmo e o
vinho não fermentado do culto Seder” (ver “Jesus”. The Jewish Encyclopaedia, edição
de 1904. V.165).
(5) No AT, bebidas fermentadas nunca deviam ser
usadas na casa de Deus, e um sacerdote não podia chegar-se a Deus em adoração
se tomasse bebida embriagante (Lv 10.9 nota). Jesus Cris to
foi o Sumo Sacerdote de Deus do novo concerto, e chegou-se a Deus em favor do
seu povo (Hb 3.1; 5.1-10).
(6) O valor de um símbolo se determina pela sua
capacidade de conceituar a realidade espiritual. Logo, assim como o pão
representava o corpo puro de Cris to
e tinha que ser pão asmo (i.e., sem a corrupção da fermentação), o fruto da vide,
representando o sangue incorruptível de Cris to,
seria melhor representado por suco de uva não fermentado (cf. 1Pe 1.18,19). Uma
vez que as Escrituras declaram explicitamente que o corpo e sangue de Cris to não experimentaram corrupção (Sl 16.10; At 2.27;
13.37), esses dois elementos são corretamente simbolizados por aquilo que não é
corrompido nem fermentado.
(7) Paulo determinou que os coríntios tirassem dentre
eles o fermento espiritual, i.e., o agente fermentador “da maldade e da
malícia”, porque Cris to é a nossa
Páscoa (1Co 5.6-8). Seria contraditório usar na Ceia do Senhor um símbolo da
maldade, i.e., algo contendo levedura ou fermento, se considerarmos os
objetivos dessa ordenança do Senhor, bem como as exigências bíblicas para dela
participarmos.
Para mais sobre o vinho nos tempos do NT, ver o estudo O
VINHO NOS TEMPOS DO NOVO TESTAMENTO (2).
Fonte: Bíblia de Estudos Pentecostal
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